quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Despedaçador de almas

Agora eu vejo.
Esse é o espelho embaçado da parábola.
A minha figura refletida numa poça de água suja.
Imunda.
A figura e a água.
Agora eu vejo o monstro que acorda, e tremendo de prazer, despedaça a alma.
O bem que quero... Eu quero algum bem?
Sim, quero.
Qual bem que eu quero?
O meu bem.
Bem...
Eu quero algum bem.
Eu quero fazer o bem. Eu quero ser bom.
Bom para quem?
Para mim mesmo!
Mas ser bom para sí é ser egoísta, e ser egoísta não é ser bom de jeito algum.
Eu quero ser bom para os outros.
Para que? Encontrar favores?
Minha imagem refletida acaba de rosnar.
É um lobisomem podre. Pútrido.
É uma criatura corcunda, de presas e pelos. Gangrenoso, leproso, deformado.
Sem lua, se torna monstro.
Com lua, também.
De noite, uiva desesperado.
De dia, também. Mas o faz escondido.
Idiota, pensa que engana alguém.
Bem e bom... A mim, engana.
Mas não mais, não, nunca mais.
Hoje eu sei quem sou. Sou esse aí, deformado que rosna.
Sou a criatura que espera a noite para se metarmofosear diante das estrelas.
Diante da lua.
Ele pode enganar a todos, menos o sol e a lua.
Sempre lá, sobre todos, vendo tudo, sabendo de tudo que acontece.
Posso ouví-la chorar de piedade.
Teria a lua piedade do monstro?
Teria eu vergonha da lua?
Ah, odiosa criatura, esnobe criatura, orgulhosa criatura.
Pede perdão às estrelas, quem sabe te ouçam, pois na terra dos mortais todos são lobos que despedaçam.
Todos por seus caminhos, de almas dilaceradas, procurando vítimas.
Todos monstros aos pedaços, todos mortos vivos, bem mortos.
Nada vivos.
Pede às lua salvação, pois ela sim, eterna, te ouve.
Ela sim, brilhante e perfeita, te quer.
Donzela do mais branco véu. Pura no meio da escuridão.
Escolheste brilhar na mais densa trevas!
Ouça o clamor desse desprezível monstro.
Se existe poder em tua luz, e se possível for revestir de eternidade figuras rastejantes como eu, o faça.
Me faça brilhar com teu resplendor, como o sol da aurora,
e não mais se ouvirá gemidos e rugidos,
almas despedaçadas de dor,
monstro fingido de perfeição nas esquinas da cidade;
lunático fantasiado de equilíbrio num terno de corte fino.
Não mais medo, não mais ódio, não mais silêncio destruidor.